Quase 70

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Casados no Rio Grande do Sul, casal de pioneiros está há poucas semanas de comemorar, em São Miguel do Oeste, as Bodas de Vinho

No dia 22 de novembro deste ano, José Alfredo Ludwig e Catharina Irena Ludwig, completam 70 anos de casados. Residentes em São Miguel do Oeste desde 1946, José e Catharina casaram-se em 1940. Foram quatro anos de namoro até o dia do matrimônio, realizado na Capela do Rosário, em São Sebastião do Caí, no Rio Grande do Sul. O casal, que há pouco mais de três anos reside em uma propriedade junto a um dos filhos, na saída para a Bandeirante (próximo à Unoesc), sempre morou na comunidade de linha Caxias, interior de São Miguel.
A chegada ao Extremo Oeste foi árdua. Estabelecer-se na região, mais ainda. O relato é de Vani Afonso Ludwig, 56 anos, sexto filho de José Alfredo Ludwig e Catharina Irena Ludwig. Vani, que nasceu em São Miguel do Oeste, não possui muitas recordações sobre colonização da antiga Vila Oeste. No entanto, lembra de quando os pais lhe contavam dos momentos difíceis vividos no Extremo Oeste de Santa Catarina.
De acordo com o filho do casal, a primeira visita da família à região foi em 1944. "Eles vieram aqui olhar a terra para comprar. Em 1945, voltaram para plantar e em 1946 retornaram para colher e permanecer aqui". Conforme Vani, quando a família chegou para a colheita, foi surpreendida. A plantação havia sido destruída. "Os bichos comeram tudo. Até os gafanhotos atacaram a plantação. Eles só não voltaram para o Rio Grande do Sul porque não tinham dinheiro", argumenta. "Havia muito mosquito, tanto durante o dia quanto à noite. Eles precisavam almoçar com fumaça embaixo da mesa para espantar os mosquitos. Foi um começo difícil para os meus pais", revela.
 
A HISTÓRIA
Aos 93 anos, José Alfredo Ludwig está em plena lucidez. Lembra praticamente de tudo. O vigor físico, obviamente não é mais o mesmo. No entanto, ainda é responsável por muitas tarefas no dia a dia. Dentre elas, cuidar da mulher.
A esposa Catharina, prestes a completar 91 anos, está com Alzheimer, doença do cérebro, degenerativa, que produz perda das habilidades de pensar, raciocinar e memorizar. A doença afeta áreas da fala e reflete em alterações de comportamento. Prova disso é que Catharina não fala mais em português, esqueceu o idioma quase por completo. Embora ainda murmure algumas palavras em português, a comunicação com o marido e filhos é em alemão, língua de origem falada nos tempos em que residia no Rio Grande do Sul.
 
Nascido em 16 de novembro de 1916, José recorda-se fielmente da juventude, do namoro, do casamento, da emigração para Santa Catarina. Ele não esquece as dificuldades, as tristezas e as alegrias. Sem titubear, revela a data de nascimento da mulher, dia 17 de novembro de 1919 e também o momento da primeira visita à casa dos pais de Catharina, em 1936. Conforme José, as duas famílias já se conheciam, pois moravam na mesma comunidade há muito tempo. Eram quase vizinhos, conta.
O casamento, conforme relata José, era para ter ocorrido no dia 16 de novembro, data do aniversário dele e um dia antes do aniversário de Catharina. Entretanto, a igreja, naquela época, não permitiu dois casamentos em um mesmo dia. Um outro casal já havia marcado casório para o dia 16. José e Catharina tiveram de adiar o matrimônio por uma semana.
A adaptação às terras catarinenses não foi difícil em razão de sempre terem trabalhado na agricultura. Já a estruturação econômica foi sofrida, comenta Vani. Conforme José, era necessário ir ao município de Itapiranga para comprar as sementes, pois vinham do Rio Grande do Sul pelo Rio Uruguai. Segundo ele, o trajeto era percorrido a cavalo. Não possuíam carro naquele tempo.
Depois da perda da plantação em 1946, a família Ludwig retomou os trabalhos e se consolidou no município. Tiveram diversos veículos, dentre eles um Ford ano 1929. O carro foi comprado ao preço de uma colônia de terra. Com a memória fresca, José menciona os Cr$ 3.380 (cruzeiros) investidos no automóvel.
 
Fato lembrado por José - que também foi barbeiro e cabeleireiro da comunidade de linha Caxias - ocorreu logo após estarem estabilizados financeiramente. Segundo José, pessoas que se deslocavam de São Miguel do Oeste para colonizar a região de Bandeirante e Paraíso (que pertencia a SMOeste) muitas vezes paravam na casa da família Ludwig para descansar e se alimentar. Ele recorda que certa vez uma família pediu abrigo e não tinham comida para oferecer. A solução naquela noite chuvosa, foi carnear um porco. 
 
Atualmente o casal possui seis filhos, 24 netos e 23 bisnetos. Os seis filhos ainda residem em São Miguel do  Oeste

DIA A DIA

A rotina mudou. As atividades físicas diminuíram, principalmente para Catharina. Próximo de completar 94 anos, José é ativo, se comparado à idade que possui. Acorda cedo, coloca lenha no fogão, faz o almoço, limpa a casa e lava a roupa quando precisa. De acordo com o filho, Vani, José também fabrica as próprias vassouras e cuida da horta. Conforme ele, a comida na panela é sempre natural. "Não falta feijão, nem aipim", comenta. "O pai não bebe, só toma suco natural". Quanto à carne, o filho comenta que foram poucas as vezes em que José e Catharina comeram carne comprada em supermercados. Geralmente, a carne provém de animais abatidos na propriedade.

A saúde do casal é boa. Exames provam a vigorosidade de José. Contudo, Catharina sente um pouco mais o "peso" da idade. Segundo Vani, os únicos medicamentos que o casal necessita são os indicados pelos médicos para controlar a pressão. "Meu pai fez a primeira consulta aos 80 anos", destaca. "Foi para examinar a próstata", conclui. 

LONGEVIDADE

Conforme acredita Vani, os motivos que levaram o casal a viver tantos anos foram as atividades desenvolvidas na agricultura, a alimentação saudável, a religiosidade e a união da família. "Meus pais sempre gostaram de trabalhar e colaborar nas festas da comunidade, da igreja", destaca. "O pai foi garçom da comunidade de linha Caxias por muito tempo. Depois que entrou o Plano Real, aí ele se perdeu e parou de trabalhar", revela. "A mãe era doceira, fazia latas e latas de chimia e melado. Também sabia bordar e fazer crochê muito bem", argumenta.

A religião católica, segundo Vani, faz parte da vida de José e Catharina desde a infância. Católicos praticantes, os dois não frequentam mais a igreja. Contudo, segundo o filho, assistem às missas e aos cultos na televisão. "O pai cantava no coral da igreja, o primeiro de São Miguel do Oeste", revela.

Para o filho, Vani, a idade não os impede de viverem normalmente, pois José cuida muito bem de Catharina. "O pai ainda é bem ativo, joga até baralho", comenta. "Ele enxerga melhor que eu, tem uma visão muito boa", conclui. De acordo com ele, "os dois ainda vão longe", finaliza.

 RIO GRANDE DO SUL

Devido ao Alzheimer, Catharina acredita que os pais ainda estão vivos, no Rio Grande do Sul. São frequentes as tentativas de pegar a estrada à pé rumo à cidade de Caí.

Já para José, voltar à cidade natal ainda é realidade. Para ele, o que não lhe falta é vontade de retornar para rever os amigos, já que os laços familiares naquele local foram desfeitos. José e Catharina são os únicos vivos. Não têm pai, nem mãe, nem irmãos. Contudo, vivem perseverantes dia após dia. Obedecem ao tempo e o compreendem a ponto de desejarem o retorno às origens.

CUMPLICIDADE E O CASAMENTO DURADOURO  

De acordo com a psicóloga e terapeuta familiar Gianne Wiltgen, uma das funções do casamento é a cumplicidade. "A cumplicidade e a união de um casal formam a família", destaca. Conforme a profissional, quando há forças opostas dentro do relacionamento, superar as adversidades e os problemas torna-se mais difícil.

Na opinião de Gianne, muitas pessoas não conseguem superar as dificuldades, por menores que sejam. "Alguns não conseguem perceber que qualquer relacionamento, seja em casal, seja em família, vai enfrentar adversidades", explica. Para ela, uma das funções da família é dar sentido e força para superar as dificuldades.

Segundo a psicóloga, quem vive no interior tem uma melhor qualidade de vida. "Em grandes centros, quando uma pessoa trabalha muito tempo e depois se aposenta, diversas vezes não dá um ano para apresentar sintomas depressivos", revela. "Aí, se esta pessoa não encontrou outra atividade substituta, ela se acomoda". Conforme ela, na agricultura é diferente. "As pessoas não perdem o vínculo com a terra, mantém-se ativos, isso é importante", reforça.

Para um casamento se tornar duradouro, a terapeuta pontua que deve existir o equilíbrio de três instâncias da vida: espiritual, física e emocional. "Em todas estas instâncias haverá dificuldades", destaca. "Para vencê-las, é preciso encontrar motivos de superação, e cada um de nós possui os próprios motivos", completa. Conforme ela, quando se perdem tais motivações, a situação se agrava.

Na avaliação de Gianne, há dois pontos relevantes em qualquer relacionamento, conjugal ou familiar. "A fidelidade, a confiança e o respeito são aspectos que fortalecem. O outro ponto é a união para encarar e vencer as dificuldade juntos", finaliza.

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