Música, arte, profissão

  • Folha do Oeste -

Do exercício diário da arte, luthieres migueloestinos constroem instrumentos musicais reconhecidos nacionalmente

A oficina é simples, pequena, sem cor. Por lá, inexiste placa, luminoso ou fachada. Também não há agito, exceto o do som pesado do heavy metal que toca no aparelho "3 em 1", tomado pelo pó - resultado das lixas que deslizam delicadamente sobre violões, guitarras, contrabaixos e cavaquinhos.
Quem raramente passar pelas pedras irregulares do calçamento da Rua 1º de Janeiro, no centro de São Miguel do Oeste, dificilmente irá perceber que ali trabalham dois criteriosos luthieres (nome de origem francesa para se referir ao profissional que fabrica, conserta ou repara instrumentos de cordas, artesanalmente, sem utilização dos maquinários da produção em série).
Aos 18 anos, Márcio Roberto Schmitt, o Gasolina, decidiu entrar no "mundo da música". Gasolina, que até então nada sabia sobre música, foi direto para a guitarra. Em uma banda que já não existe mais, aprendeu e aperfeiçoou os "dotes musicais". Hoje, bem mais experiente, constrói guitarras, contrabaixos, violões e cavaquinhos sob encomenda para clientes de diversas regiões do país.
Junto dele, um parceiro. É Anderson Loose. Um jovem que divide o dia entre os afazeres na marcenaria do pai e na produção de instrumentos musicais. Há cerca de seis anos ao lado de Gasolina, Loose também prova ser conhecedor da arte de luthieria. E é disto que vivem. É isso que gostam de fazer. É assim que pretendem seguir por muito tempo.

O COMEÇO
Tudo começou com o Gasolina. "Iniciei os trabalhos há 12 ou 13 anos, com reparos, pinturas e reformas em guitarras", conta. "A primeira guitarra inteira que fiz na vida, foi, há uns oito anos, para a Juliana Baldi. Ela não mora mais aqui em São Miguel do Oeste", completa. "Lembro que a Juliana me trouxe um desenho da 'guita' do Black Sabbath", recorda.
Na opinião dele, para alguém se tornar profissional no ramo de luthieria na região Extremo Oeste, é preciso passar por um processo demorado e difícil. "Nunca fiz um curso. Na época que comecei não havia internet, então aprendi com a prática e também com auxílio de algumas revistas", explica. "Hoje, melhorou um pouco, a informação está ali, na internet. É bom para trocar conhecimentos e experiências", relata. Conforme ele, "a região não oferece cursos neste ramo", reforça.

PRODUÇÃO
Produzir instrumentos musicais artesanalmente exige conhecimento sobre música, técnicas de manuseio e de fabricação. Contudo, segundo Loose, também é preciso paciência. "Existem coisas que precisam de tempo, como a colagem, a secagem, os acabamentos. Então nossos prazos de entrega giram em torno de 60 a 90 dias, a partir do fechamento do pedido", frisa. De acordo com ele, há encomenda de violões até final de janeiro. "Para o ano que vem, vamos aumentar o número de instrumentos fabricados. Em consequência, o prazo de entrega vai se estender", complementa.
Conforme os luthieres, o objetivo, a partir de 2011, é retomar com a fabricação de guitarras e, também, expandir para a construção de cavaquinhos. "Nossa atividade forte é com violões", revelam. "Utilizamos materiais de primeira qualidade, muitos são importados. Queremos empregar nos nossos instrumentos uma sonoridade única, perfeita", explicam. Conforme eles, cada luthier tem uma forma de trabalhar, assim como cada músico tem um gosto por determinada sonoridade do instrumento. "Nossos violões são maciços, diferentemente desses produzidos em série, que são laminados. A qualidade do som não se compara", opinam.
De acordo com eles, tudo o que compõe um violão contribui ou interfere na sonoridade. "Numa guitarra, por exemplo, um fator determinante é o captador de som. No violão não. É diferente!", enfatizam. "Ele é complexo, é matemática pura", comparam. "Não tem como fabricar um violão sem projetar, sem calcular, sem medir", entendem. "Então, é por isso que utilizamos madeira de jacarandá baiano. É uma madeira rara, de corte proibido, que a gente consegue por ainda haverem móveis de demolição", explicam. "Quando não conseguimos esta, fazemos com o jacarandá indiano, que é importado", comentam.

RECONHECIMENTO
Gasolina relata que o reconhecimento começou com um músico renomado do tradicionalismo gaúcho. "Nossos instrumentos são bem conhecidos fora de São Miguel", afirma. "Uma vez, um amigo nosso, o Virley Maldaner, me ligou do CTG Porteira Aberta e disse que o Marcelo Caminha estava lá e queria ver um violão nosso. Por sorte, tínhamos um em casa e levamos para testar. Ele gostou tanto que nem esperou a gente entrar em contato na semana seguinte", relembram. "Agora, o Marcelo Caminha, que toca com Cesar Oliveira e Rogério Mello, endorsa o nosso instrumento". Segundo os dois, endorsar é uma forma de dizer 'aprovo este instrumento', com o objetivo de afirmar que o material é de excelente qualidade.
De acordo com os dois, quem também utiliza violão fabricado por eles é Claudio Patias. "Ele também toca músicas tradicionalistas do Rio Grande do Sul", relatam. Conforme os luthieres, no norte do país também há músicos que se apresentam com violões migueloestinos. "O Salomão Habib toca com violão nosso. Ele é regente de uma orquestra de cordas em Belém/PA", dizem. "O Salomão já se apresentou até fora do Brasil", orgulham-se.

DESAFIOS
Conforme Gasolina, um dos maiores desafios de se tornar um luthier respeitado está em conquistar a confiança do consumidor. "O problema está na credibilidade. Isso demora", lamenta. Segundo ele, depois da credibilidade, existe o fato de conseguir sobreviver com a luthieria. "Em todos estes anos, nunca vi dinheiro! Só agora a coisa começou a melhorar", avalia.
Para a dupla, que a partir de 2011 prevê caminhos promissores, o trabalho continua a todo vapor. "Como dissemos, temos instrumentos para entregar até o final de janeiro", lembram. "Depois disso, vamos voltar a fabricar guitarras e nos aperfeiçoar em cavaquinhos", reforçam. "Mas o violão vai continuar a ser nosso principal instrumento", concluem.

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